No dia 31, ao fim da manhã, fui tomar um café ao sítio do costume. Uma senhora de idade olhava orgulhosa para um bolo de aniversário enorme, que estava na montra da pastelaria. Tinha de dar para cerca de 50 pessos, por isso era tão grande. Percebi que ia visitar o filho, que fazia anos no dia 1 e que vivia numa instituição, noutra aldeia ali perto.
Mas, apesar da orgulho no bolo que levaria, as lágrimas caíam sobre o balcão de mármore escuro, de uns olhos pequeninos e meigos.
Perguntei se podia ajudar. Que não, que não, tinha de ir ver o filho e levar-lhe o bolo - "Está lindo, não está? É para todos os amigos dele. São alguns cinquenta! É tão grande que não consigo levá-lo no comboio."
Perguntei para onde queria ir, respondendo primeiro que era só até à Malveira. "- Mas o seu filho está lá à sua espera?" - "Não, está no Telhal, mas eu apanho o comboio e vou, já estou habituada!"
E as lágrimas continuavam a cair. - ""Estou sozinha, estou sozinha, sabe?". Não está nada, vamos enxugar essas lágrimas e deixar essa cara linda ficar mais linda ainda. Vá almoçar e, às 2h, encontramo-nos aqui, pode ser?"
- "Mas a sra. nem me conhece... eu ..."
- "Vamos lá, vá almoçar e daqui a pouco, encontramo-nos aqui as duas, pode ser?"
Tudo combinado, feitas as compras de última hora para a noite de passagem do ano, não me sobrou tempo para almoçar, mas a fome também não me bateu à porta.
Quando ia a sair encontrei a D. Rosa, que vive sozinha desde que, em Maio passado, o marido partiu. Perguntei : "- Bora ao Telhal?"
"- É só trocar de calças e o que estava a fazer pode ser feito depois!"
E lá estava a D. Margarida à espera, à porta da pastelaria. O bolo, numa caixa enorme, um bolo rei e mais uns saquinhos ... e o tabaco, para dar ao filho.
Fomos por uma estrada interior. A D. Rosa conhece tudo. Sempre ali viveu.
Quando chegámos, o filho ia a passar, no sentido contrário ao do carro, e a D. Margarida exclamou, no banco de trás "- Ah! O meu filho vai ali!..."
Pelo retrovisor vi que o filho tinha invertido a marcha e corria em direcção ao carro. - Mãe ?! Ai a minha mãe!"
Abraçaram-se enquanto outros habitantes da mesma instituição iam perguntando o meu nome, de onde era, e me desejavam Bom Ano.
Depois de me ter certificado de que a D. Margarida tinha onde ficar, abracei-os, desejei um Bom Ano e ela entrega-me um pequeno saco de plástico branco com duas toalhas de cozinha debruadas, a fio branco, por ela.
Há pessoas extraordinárias, na verdade. Como é que uma mãe triste por estar só, preocupada por não saber como vai ter com o filho para com ele celebrar o aniversário, ainda tem tempo para se lembrar das toalhas de cozinha.
Grata, D. Margarida, por ter cruzado o meu caminho.